Cartel - A Formação do Analista

CARTEL - A FORMAÇÃO DO ANALISTA 


Ementa:

A partir da necessidade de entender Escola e Formação do Analista enquanto conceitos e não como preceitos é que esse grupo de cartel se formou. As razões epistêmicas contidas no "Ato de Fundação da Escola Freudiana de Paris", de 1964; as razões clínicas apresentadas na "Proposição de 09  de Outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola"; e as razões políticas enunciadas na " Carta de Dissolução de 1980", apontam para a necessidade de aprofundar estudos sobre as questões concernentes à formação. 

Os estudos do grupo abrangem levantamento histórico do movimento psicanalítico, fim de análise e procedimento de passe e também os dispositivos de transmissão da psicanálise.

As questões que norteiam a produção escrita do grupo são:

1- A partir do comentário de Lacan, que a escolha do nome Cartel , que deriva de "cardo" destacando sua significação em latim, como dobradiça, eixo; poderíamos pensar um cartel como uma função de dobradiça que permite passagens, trânsitos, aberturas? E nesse sentido, o cartel segue se afirmando como um dispositivo possível para transmissão da psicanálise como outrora apontou Lacan?

2- Há uma relação nova com o inconsciente, com o real produzido pela experiência do passe?

3- Há analista sem Escola?

Bibliografias sugeridas

- Lacan e a formação do psicanalista/ Marco Antonio Coutinho Jorge

- Fundamentos da Clínica Psicanalítica/ Erik Porge

- Como trabalha um psicanalista?/ J.D Nasio

- A Formação do Analista/ Mirta  Zbrun

Encontros do primeiro semestre:
22/02 - 29/03 - 26/04 - 31/05 - 28/06 - 26/07
17:30- 18:30

Contato para mais informações e ingresso aos encontros:
Whatsapp de Carmen Consuelo (11) 9 7028-6411



Por que Cartel?
Aline Dornelles


Mergulhar na obra lacaniana é desafiador e instigante, e lançar mão de companhias nesse percurso singular e não raro solitário é fundamental. Frequentar o seminário da Escola de Psicanálise Estrutural- EPE, durante o ano de 2022 e na ocasião dissecar o Seminário 11- Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise, reatualizou o desejo de cartelar sobre questões concernentes a formação do analista e assim se deu a proposta de inscrever esse novo cartel na escola.

O Seminário 11 foi o gerador desse desejo pois marca um ponto de ruptura na vida institucional de Jacques Lacan e no seu ensino. Nesse momento de virada, Lacan critica os rumos dado ao legado freudiano, dedicando-se a retornar a ética da psicanálise, através do resgate dos conceitos fundamentais: inconsciente, repetição , transferência e pulsão.  Inicia o referido seminário em 1964, nomeando como excomunhão o movimento de expulsão que sofreu a partir do rompimento com a International Psychoanalytical Association- IPA. Tendo sua prática analítica questionada por essa instituição, Lacan não cedeu de sua posição, sendo portanto impedido de atuar como analista didata. Com esse impedimento, ele foi forçado a deixar a Sociedade Francesa de Psicanálise, pois a IPA recusou-lhe permissão para formar analistas.

Sem poder formar analistas e questionado em sua práxis, Lacan se retira da Sociedade Francesa de Psicanálise e funda a Escola Freudiana de Paris. Na primeira aula Lacan anuncia a questão: “em que estou autorizado?”. Essa questão, sempre importante de ser atualizada por cada analista, remete a sua preocupação com a formação do analista e a transmissão da psicanálise. Se as análises por ele conduzidas não poderiam ser reconhecidas como análises didáticas, em que lugar ficava sua transmissão? Lacan questionou ainda: “o que é que funda a psicanálise como práxis?”, e situa o problema da formação do analista dando ênfase ao desejo do analista.

      No Ato de Fundação da Escola Freudiana de Paris-1964, Lacan anunciava uma proposta inovadora e pioneira que visava promover o avanço do trabalho de cada psicanalista com os princípios teóricos e a transmissão da psicanálise:

“Aqueles que vierem a esta Escola se comprometerão a realizar uma tarefa submetida a um controle interno e externo: os que assim se comprometerem podem estar seguros de que nada se economizará para que tudo que façam de valor tenha a difusão merecida no local mais conveniente. Para execução desse trabalho, adotaremos o princípio de uma elaboração sustentada dentro de um pequeno grupo: cada um deles se comporá de pelo menos três pessoas e no máximo cinco, sendo quatro a justa medida. Mais- um, encarregado da seleção, da discussão e da saída a dar ao trabalho de  cada um.”

O que percebe-se em 1964, ou em 2023 ou a qualquer tempo, é uma resistência dos analistas a aderir a esse dispositivo de formação e transmissão, e cabe aqui uma provocação: ”o analista se autoriza  por si mesmo”, máxima lacaniana que da o ponta pé inicial para a maioria de nós , analistas supostos- é repensado com um certo desconforto, uma vez que implica na responsabilidade pela própria formação e convoca a uma forma de trabalho não magistral e que convida a não foracluir o inconsciente dessa cartada.

Percebe-se que o jovem analista, dotado da ética de seguir o tripé análise, supervisão e estudo teórico, busca nesse último, dispositivos mais passivos como grupos de estudos e  seminários teóricos, visando uma certa segurança ou proteção nesse percurso que se pretende permanente.  Entretanto, não é de segurança nem de ensino que se trata no campo da psicanálise, muito pelo contrário. Não funcionamos numa estrutura hierarquizada, piramidal onde conhecimentos básicos e elementares precisam ser ensinados pelos mais experientes e assimilados pelos mais jovens para se passar ao estágio seguinte.

Na Ata de Fundação citada acima, Lacan define expressamente: “um cartel é, em primeiro lugar, a condição de admissão  na Escola”. Sendo assim, por que ainda não privilegiamos essa forma de entrada? Estamos levando essa questão para o divã?

Levanto aqui uma hipótese que reside no próprio processo de criação e no seu produto: uma produção escrita. Seria porque Lacan foi assertivo ao propor um dispositivo que convoca o inconsciente ao trabalho tanto quanto a análise o convoca?

Ao inscrevermos nosso desejo em formar um cartel, escolhemos um tema que será trabalhado coletivamente, mas a partir do ato criativo individual. Através da escolha de palavras e argumentos que sustentarão cada ideia ou conceito, fazemos algo de novo surgir do que nos foi dado inicialmente. Agora, teoria, desejo e inconsciente colocados em letra, resta-nos colocá-lo no mundo, fazendo circular as palavras, entregando  o produto escrito para a escola.

No encerramento da IV Jornada da Escola Freudiana, Lacan expressou: ”Gostaria que a prática desses cartéis que imaginei se instaurasse de maneira mais estável na Escola”. 

Munidos de papel, caneta e desejo, o que nos impede de escrever um texto e deixa-lo ir?


Referências Bibliográficas:

LACAN, Jacques. Seminário, livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar,2008

___________. Ato de Fundação. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003

___________. A transmissão- Correio Appoa: Lacan- A transmissão- Encerramento do 9 Congresso da Escola Freudiana de Paris(09/07/1978)


Aline Dornelles- é enfermeira, especialista em saúde da família e comunidades e seminarista na Escola de Psicanálise Estrutural EPE, Arthur Mendes
Contato: (55) 99719-7086



Por que Escola?
Aline Dornelles


“Fundo- tão sozinho como sempre estive em minha relação com a causa analítica- a Escola Francesa de Psicanálise, da qual garantirei, nos próximos quatro anos pelos quais nada no presente me proíbe de responder, pessoalmente a direção. (Ato de Fundação de 1964, por Jacques Lacan) “


Escola de Psicanálise... que escola? Importante esclarecer que não se trata da escola descrita pelos dicionários que tratam esse substantivo feminino como “instituição pública ou privada que tem por finalidade ministrar ensino coletivo” ou como “conjunto de professores, alunos e funcionários de uma instituição de ensino” ou ainda como “conjunto de adeptos ou seguidores de uma doutrina, pensamento ou princípio estético”.

A escola de que o presente ensaio trata não é desse substantivo escola do dicionário, tal palavra descreveria a finalidade de departamentos, sociedades, núcleos e institutos de psicanálise. A Escola de Lacan é um conceito e também um grito advertido contra a institucionalização da psicanálise. Para se constituir uma sociedade ou associação de psicanálise, tem que haver elementos identificatórios de pertinência grupal , da mesma forma que um instituto ou um departamento, subvertem ainda mais o conceito de Escola que se pretende examinar aqui, uma vez que se coloca como um espaço de ensino –aprendizagem onde há um mestre objetivando difundir uma teoria.

Na Carta de Dissolução da Escola Freudiana de Paris, Lacan justificava a solução encontrada para a institucionalização da psicanálise: é a dis – a dissolução. Dizia ele na Carta: ”Resolvo-me a isso, pelo fato de que ela funcionaria, se eu não me metesse de través, às avessas daquilo pelo que a fundei. Ou seja , para um trabalho, eu o disse- que, no campo que Freud abriu, restaura a relha cortante de sua verdade- que retoma a práxis original que ele instituiu sob o nome de psicanálise no dever que lhe cabe em nosso mundo- que por uma crítica assídua, denuncia os desvios e os compromissos que amortecem seu progresso, degradando seu emprego. Objetivo que mantenho”

A frase de Lacan no “Ato de Fundação...”, demonstra a desidentificação coletiva que seu conceito de Escola propõe. Ao dizer “(eu)fundo”, ele se coloca a partir de um lugar de enunciação claro(é seu projeto, sua aspiração, seu ato, no qual está implicado portanto). Em “tão sozinho como sempre estive”, evidencia que não se apoia nas ilusões de um grupo, está advertido de que este ato é solitário como o é a relação com a causa que o move:  a causa analítica.

Com esse Ato, ele institui uma formação coletiva fundada na solidão subjetiva de seus membros, o que se demonstra igualmente na lógica do cartel, o qual elegeu como o dispositivo de entrada na sua Escola: um agrupamento que se escolhem entre si com o objetivo de pesquisar e estudar um tema, que culmina em uma produção escrita individual e solitária que é devolvida á Escola.

A Escola é sobretudo um lugar que garante que a psicanálise possa funcionar a partir de seu discurso. Diferentemente de um instituto de formação que garante ao aluno o ensino, a garantia da Escola de Lacan é a manutenção do desejo. A Escola não depende do ensino nem o dispensa, mas aceita e instrui para que ele – o ensino- se desenrole fora dela.(Lacan, 1964). Por esse quase axioma, Lacan assegura a inexistência de um lugar do saber, que não podendo existir no campo clínico , pode ser estimulado no espaço da transmissão.

A Escola é um lugar de um saber submetido a um não-saber, em que ninguém pretende deter do saber do que é um analista, à diferença das sociedades e institutos que estabelecem a formação por cursos que seguem um itinerário padrão, segundo uma pedagogia traçada previamente. Na Escola de Lacan, procede-se diferente como cita Jacques alain Miller: “procede-se pela imersão do sujeito em um meio que agita a falta de saber, e é o que mais importa.”

A Escola de Lacan é o espaço para onde apontam os paradoxos que engendram os princípios da formação de um analista: sujeito que é produto de uma análise- e que portanto se forma num tratamento- e do saber que ele deve deter para a realização da prática.

Para finalizar, aponto que não aderem ao conceito de Escola de Lacan, os que pensam que o fim da análise é o fim da transferência. Trata-se de transformar o trabalho de transferência em transferência de trabalho, o que muitas vezes ocorre no decorrer do percurso clínico, porque o inconsciente não é didático e a Escola é também um lugar subjetivo que propicia, mediante seus dispositivos de transmissão, o encontro e o impacto com o real. Nos pretensos fins de análise, quando bem conduzidas levam o sujeito a um rigoroso mal estar na civilização que o forçará a inventar onde nada lhe foi dado, nem interpretado, com o objetivo de fazer que o “não sabido se ordene como o quadro do saber”, como citou Lacan na Proposição de 1967, três anos após seu Ato.


Referências:


LACAN, J. (1964). Ato de Fundação. In Outros Escritos. Zahar

LACAN, J.(2006). Meu Ensino (A. Telles, trad.). Zahar

SILVA,A.T & BIANCO,A.C.L(2009)O Moises de Freud:Saber e transmissão na Psicanálise. Estilos de Clínica, 14(26) 216-235

ZBRUN, M. A Formação do Analista. Petrópolis, KBR, 2014


Aline Dornelles- é enfermeira, especialista em saúde da família e comunidades e seminarista na Escola de Psicanálise Estrutural EPE, Arthur Mendes
Contato: (55) 99719-7086

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