Cartel - As Psicoses

 

CARTEL - AS PSICOSES 

Ementa:

Investigar o funcionamento do delírio e da alucinação na psicose e sua relação com a linguagem, motivaram a formação desse grupo de cartel. Jacque Lacan no seu Seminário 3, destinado ao estudo das Psicoses, ressalta a importância da linguagem e sua relação com o significante à constituição do sujeito: "A linguagem, para nascer,deve ser tomada em seu conjunto; é preciso que ela comece a ser tomada pela ponta do significante"( Lacan, 1955)

A proposta do grupo de Cartel 1 é trabalhar um capítulo do Seminário 3- As Psicoses, por encontro; apoiando-se em vários outros textos que possam contribuir para o estudo, dentre eles, Memórias de um Doente dos Nervos,  de Daniel Paul Schereber.

Bibliografia Básica:
Seminário 3- As Psicoses / Jacques Lacan

Frequência dos encontros: última segunda feira de cada mês - 14 horas

Contato para mais informações e ingresso aos encontros:
WhatsApp de Carmen Consuelo (11) 9 7028-6411



Notas sobre a Errância
Aline Dornelles


A clínica psicanalítica não é uma clínica fenomenológica, tão pouco descritiva, ela é uma clínica estrutural; na qual o diagnóstico se estabelece na transferência. Trago aqui um adendo sobre a noção de transferência descrita por Lacan, uma transferência de significantes, discursiva. Trata-se do fato que na transferência que o discurso do paciente organiza, a partir do lugar no qual o paciente coloca o analista é que um diagnóstico é possível. É que uma clínica das psicoses é possível.

No relato de Elieni, me atravessa a seguinte questão colocada por a mesma: “ O equívoco de alguns profissionais que me atenderam foi conduzir meu tratamento como se conduz tratamento de neuróticos.” – o que me atravessa nesse recorte é a questão de pensar a clínica das psicoses no sujeito fora da crise e até no sujeito que jamais encontrou uma crise.

Para tecer considerações sobre a clínica das psicoses fora da crise, abordarei primeiro um conceito que entendo pouco debatido na psicanálise, porem que tangencia todos os demais conceitos abordados, quando saímos do conforto de estudar a neurose. Conceito fundamental para entender as psicoses dentro e fora da crise. O conceito de errância.

Errância em sua raiz epistemológica, é marcada por uma ambiguidade, uma vez que errar comporta tanto o sentido de equivocar-se , cometer erro, extraviar-se, quanto o de caminhar, progredir, avançar. Nessa acepção, aproxima-se dos viajantes. No final do século XIX, estabeleceu-se na literatura alienista francesa, uma associação entre errância e loucura, tratando os “alienados viajantes “ como categoria diagnóstica.( SOARES e BASTOS,2016).

O neurótico defende-se com um saber sobre a Demanda do Outro, que ele supõe a um sujeito, ao pai como detentor suposto de um saber essencialmente sexual. O pai é quem sabe lidar com o desejo materno e por consequência  quem pode decidir da significação sexuada dos filhos. Que esta posição não seja confortável, pois é um saber sexual- então parcial- que deveria defender o sujeito de uma Demanda do Outro que é total, isso não retira nada das possibilidades de descanso que a neurose oferece. Pois defender-se é aqui confiar na Demanda do Outro,  pelo pai. Se para o psicótico o saber de defesa é sem sujeito, a tarefa de sustentar, ou mesmo produzir a rede,  o tecido desse saber cabe ao sujeito mesmo. Daí a necessidade de uma errância infinita. (CALLIGARIS,1989). 

Bem como nos relata Elieni no seguinte trecho: “O que eu ia fazer se acatasse a ordem de despejo? Ia acabar indo morar no meu carro, estacionado em frente a quitinete. Ia virar mendiga, a paranoia envolvia o GPS: as vezes eu ficava circulando de carro, sem chegar ao destino, as vezes horas sem rumo, horas a fio sem conseguir voltar.”

Por que errar, vagar? Uma observação aqui é que podemos tomar essa errância literalmente posta em ato, mas também a errância discursiva de um horizonte de significantes e significações que não é organizado ao redor de uma significação central que organiza todas as outras. É em consequência dessa posição que o sujeito tem que errar. Errar porque não existe um lugar a partir do qual podemos medir a significação do que estamos fazendo. Nesta medida é evidente que a única coisa que resta é percorrer todos os caminhos.

A partir do Laço de Fita não podemos concluir que o sujeito psicótico esteja tomado nos registros imaginário e real somente, ele está tomado numa articulação simbólica e chega a circular nesse registro, tal qual a escritora Elieni Caputo. E é exatamente a partir da condição de escritora da Elieni que pretendo avançar no estudo do conceito de errância nos próximos encontros. A condição de  escrever por vezes requer delírio, e também errância. Entendo essa errância como estrutural, acompanhou a Elieni em momentos de sofrimento psíquico intenso e também, na ambivalência tão comum da condição humana, lhe acompanhará no seu labor de escritora.


Referencias bibliográficas:

LACAN, Jacques. Seminário, livro 3: As Psicoses. Rio de Janeiro:Zahar,1988

CALLIGARIS, Contardo. Introdução a uma Clínica Diferencial das Psicoses. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989

CAPUTO, Elieni. Laço de Fita. Belo Horizonte: Dom Quixote +DO, 2022

SOARES,Ana Cláudia . BASTOS, Angelica. A Errância para além de um sintoma Patológico.  Revista Latinoamericana Psicopat. Fundamental, set. 2016 


Aline Dornelles - é enfermeira, especialista em saúde da família e comunidades e seminarista na Escola de Psicanálise Estrutural EPE, Arthur Mendes
Contato: (55) 99719-7086



A noção de compreensão no que tange (ou não) á psicanálise
Aline Dornelles


A psiquiatria sempre acreditou que seu maior progresso consistiu-se em restituir o sentido na cadeia dos fenômenos, o que não é em si, falso. Porém o que é falso é conceber que o sentido de que se trata é aquele que se compreende. Compreender os doentes é pura miragem. A noção de compreensão tem uma significação muito nítida. Isso consiste em pensar que há coisas que são evidentes, que por exemplo, quando alguém está triste é porque não tem o que seu coração deseja. Nada mais falso- há pessoas que tem tudo que seus corações desejam e que ainda são tristes.A tristeza é uma paixão de natureza inteiramente outra.

A compreensão é evocada como uma relação sempre no limite. Desde que dela nos aproximamos, ela é inapreensível. Sobre a noção de compreensão Lacan nos brinda com um exemplo bastante objetivo: uma criança que ao receber um tapa, pergunta se é um carinho  ou uma palmada. Com isso demonstra que não há uma resposta natural a eventos. Da psique humana, é preciso dizer o que dizia Voltaire da história natural, a saber: que ela não é tão natural assim, e que em resumo ela é o que há de mais anti natural. Uma citação de Lacan no Seminário 2, a cerca do conceito de compreensão pode aqui nos ser útil:” Há dois perigos em tudo que tange à a apreensão de nosso campo clínico. O primeiro é não ser suficientemente curioso. [...] O segundo é compreender.

Compreendemos sempre demais, especialmente na análise. Na maioria das vezes nos enganamos. Pensa-se poder fazer uma boa terapêutica analítica quando se é bem dotado, intuitivo, quando se tem o contato, quando se faz funcionar esse gênio que cada qual ostenta na relação interpessoal. E a partir do momento em que não se exige de si mesmo um rigor conceitual, acha-se sempre um jeito de compreender. Mas fica-se sem bússola, não se sabe nem de onde se parte , nem para onde se está tentando ir.

Tudo o que no comportamento humano é da ordem psicológica, está submetido a anomalias muito mais profundas. O próprio das psicopatologias é enganar a compreensão.

A compreensão tem um possível efeito de redução da angústia e declínio, ou pelo menos, deslocamento sintomático, portanto pode ser útil nos primeiros momentos de instalação da transferência , em entrevistas preliminares. Mas como a direção do tratamento na neurose passa pela sustentação da angústia para que se revele o que importa, ela (a compreensão) é uma atividade-meio, quase um artifício laboratorial no setting, para direcionar uma possível atividade-fim, uma possível travessia da fantasia, ou direção da cura.

Na psicose por outro lado, o efeito terapêutico resulta do secretariado, isto é, do acompanhamento da experiência singular do sujeito, certo da impossibilidade de compreensão, uma vez que essa experiência é radicalmente diferente devido a falta de metáfora paterna. Aqui pontuo uma advertência: A própria definição do que é psicose é atravessada pelo não compreensível, mas o problema repousa em tornar a questão incompreensível por não ter correspondência com as experiências pessoais do analista, possivelmente neurótico e com uma visão normalopata. Afinal de contas sempre ficará um impasse: assumir que o psicótico tem uma lógica própria ou assumir que não tem lógica.

Aqui aponto que Lacan observou na formação que dava a seus alunos que era sempre aí que convinha detê-los. É sempre no momento que eles compreenderam, que se precipitaram para satisfazer o caso com uma compreensão, que eles falhavam na interpretação que convinha ou não fazer. Isso se exprime em geral com toda a ingenuidade da fórmula: “o sujeito quis dizer isso”. Lacan ainda provocava: o que vocês sabem a respeito? – O que há de certo é que ele não o disse. E na maioria das vezes ao ouvir o que ele disse, parece quando menos uma questão teria podido ser posta, que talvez ela teria bastado por si só para constituir a interpretação válida.

Acontece em certos desses pontos alguma coisa que pode parecer caracterizar-se pelo fato de que há um núcleo completamente compreensível, devido a ontologia tão característica da coisa humana, mas isso me soa mais como o canto de uma sereia. Essa ontologia será sempre inacessível a qualquer dialética. E por falar em dialética, sumariamente por ela ter  se extinguido  em detrimento da fenomenologia da experiência patológica, é que a clínica psiquiátrica se perdeu.


Referências Bibliográficas  

LACAN, J. Seminário 3 As Psicoses. Rio de Janeiro:Zahar, 1988

LACAN, J. O seminário, livro 2: o eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (1954-1955). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.


Aline Dornelles - é enfermeira, especialista em saúde da família e comunidades e seminarista na Escola de Psicanálise Estrutural EPE, Arthur Mendes
Contato: (55) 99719-7086

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